O Termo de Ajustamento de Conduta como Instrumento de Regularização Urbanística

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Dra. Patrícia Valdivieso Hessel


Resumo

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) configura-se como uma ferramenta indispensável para a regularização de empreendimentos imobiliários em situações de desconformidade com a legislação urbanística. Este estudo propõe uma análise sobre o emprego do TAC como solução consensual e eficaz, permitindo a conformidade jurídica entre empreendedores e o poder público, ao mesmo tempo em que se preserva o interesse público. A pesquisa investiga as nuances jurídicas e práticas do TAC, oferecendo uma perspectiva crítica sobre seu papel na mitigação de irregularidades urbanísticas e na consolidação da segurança jurídica.

Introdução

Nos últimos anos, o acelerado processo de urbanização enfrentado pelas grandes metrópoles nas cidades brasileiras impôs uma série de desafios à conformidade dos empreendimentos imobiliários às normas vigentes. Nesse contexto, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) emergiu como um mecanismo consensual eficaz para a regularização dessas atividades, proporcionando um meio célere e pragmático de resolução de conflitos. Amparado pela Lei Federal n° 7.347/1985 e o Decreto-Lei n° 4.657/1942, o TAC tornou-se um importante aliado da administração pública na harmonização das necessidades urbanísticas com o ordenamento jurídico, sem a necessidade de recorrer ao litígio judicial.

A Importância do TAC na Regularização Urbanística

A regularização de empreendimentos imobiliários que, por diversas razões, encontram-se em desacordo com a legislação urbanística vigente, é uma das grandes preocupações das administrações municipais. O TAC, ao ser celebrado entre as partes, permite que irregularidades sejam sanadas sem que se perpetuem os efeitos negativos que poderiam impactar o planejamento urbano e o desenvolvimento sustentável. Por meio do TAC, o empreendedor compromete-se a ajustar sua conduta de acordo com as exigências legais, evitando, assim, as implicações mais severas de uma sanção administrativa ou judicial, enquanto o município assegura o cumprimento das diretrizes urbanísticas.

Segurança Jurídica no TAC

A segurança jurídica é um pilar fundamental na aplicação do TAC. Este instrumento, quando devidamente formalizado, confere previsibilidade e estabilidade às partes envolvidas. O caráter extrajudicial do TAC, com força de título executivo, garante que o acordo firmado tenha eficácia imediata, sem a necessidade de homologação judicial prévia. Além disso, a celebração de TACs estabelece um ambiente de confiança mútua entre o poder público e os empreendedores, assegurando que as obrigações assumidas serão rigorosamente cumpridas sob pena de execução direta em caso de descumprimento.

O Risco de Favorecimento e Incentivo à Irregularidade com o TAC

Apesar dos benefícios proporcionados pelo TAC, sua aplicação requer cautela para evitar distorções no processo de regularização urbanística. O uso indiscriminado do TAC pode gerar a percepção de que empreendedores podem deliberadamente infringir normas, contando com uma futura regularização facilitada por meio de um acordo. Além disso, o favorecimento de determinados agentes econômicos em detrimento de outros, na celebração de TACs, pode corroer a credibilidade das administrações municipais e abrir precedentes que incentivem o descumprimento inicial da legislação. Assim, é imperioso que os entes públicos mantenham critérios rígidos e transparentes na celebração dos TACs, de modo a preservar o interesse público e garantir a isonomia no tratamento dos empreendedores.

Legislação Aplicável e Doutrina

O Termo de Ajustamento de Conduta, tal como previsto na legislação brasileira, especialmente pela Lei Federal n° 7.347/1985 e o Decreto-Lei n° 4.657/1942, é o fundamento que legitima a atuação dos órgãos públicos e dos particulares no ajuste de condutas irregulares. A seguir, destacam-se os dispositivos relevantes.

A. Lei Federal n° 7.347, de 24 de julho de 1985

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007 e Lei nº 13.105, de 2015):

III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (…)§ 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990).

B. Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro da LINDB

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.

§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I – buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;
III – não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral;

IV – deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.

C. Decreto n° 9.830, de 10 de junho de 2019

Art. 1º Este Decreto regulamenta o disposto nos arts. 20 a 30 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que institui a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Art. 10. Na hipótese de a autoridade entender conveniente para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situações contenciosas na aplicação do direito público, poderá celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável e as seguintes condições:

I. após oitiva do órgão jurídico; II – após realização de consulta pública, caso seja cabível; III – presença de razões de relevante interesse geral.§ 1º O compromisso buscará solução proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais.

D. Doutrina sobre o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é negócio jurídico de direito administrativo classificável como ato administrativo consensual, celebrado entre um órgão público e, usualmente, uma ou mais pessoas privadas, por meio do qual estas formalmente se comprometem a, de modo geral, praticar (ou não) determinada conduta. Isto é, as partes acordam em que a conduta anterior merece ser encerrada e ajustada por meio daquela tida como boa e valiosa quando da negociação – que pode contemplar, inclusive, obrigações compensatórias.

“O TAC previsto na LACP é uma categoria aberta de acordos substitutivos de sanção, pois o art. 5.º, § 6.º, positivou o interessante efeito de legitimar o Poder Público a utilizar o instrumento TAC em seus processos administrativos. Independentemente da existência de lei ou de norma específica, a parcela da Administração Pública que lide com os temas indicados na Lei 7.347/1985 está autorizada a celebrar TAC.” (PALMA, 2015, p. 272).

De acordo com Maurer (2001, p. 134), o Estado contemporâneo caracteriza-se pela “cooperação entre o Estado e o cidadão” e pela “atuação administrativa consensual”, ambas indispensáveis para a administração eficiente do Estado moderno.

“O compromisso previsto no art. 26 da LINDB supera dúvidas jurídicas sobre o permissivo genérico para a Administração Pública transacionar. A autoridade administrativa poderá firmar compromisso, ou seja, celebrar acordos” (GUERRA; PALMA, 2018, p. 147).

De acordo com Pinho e Cabral (2012, p. 332-333), “é vedada a prática de concessões no bojo do termo de ajustamento, pois este instrumento não se destina a proteger terceiro que não está agindo em consonância com as exigências legais. Concessões relativas à forma e ao prazo de cumprimento das obrigações fixadas no termo são possíveis, desde que não comprometam a indisponibilidade do direito em questão e viabilizem a reparação dos danos e a tutela do interesse coletivo”.

Considerações Finais

O Termo de Ajustamento de Conduta, quando aplicado de forma criteriosa e justa, revela-se como uma poderosa ferramenta de regularização urbanística. A sua força executiva, aliada à celeridade e eficiência do processo consensual, proporciona segurança jurídica tanto para os empreendedores quanto para o poder público. Contudo, é imprescindível que a sua aplicação seja pautada por princípios de transparência e equidade, assegurando que os benefícios proporcionados pelo TAC alcancem o interesse coletivo e que não se torne um instrumento de favorecimento indevido. Quando utilizado corretamente, o TAC oferece uma solução eficaz para os desafios da urbanização contemporânea, permitindo um desenvolvimento urbano sustentável e juridicamente seguro.

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Patricia Valdivieso Hessel

Dra. Patrícia Valdivieso Hessel

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), possui experiência nas áreas de Direito Imobiliário, Urbanístico, Ambiental e Empresarial. Especialista em procedimentos administrativos e judiciais para regularização de propriedades e atividades econômicas, Patrícia atua diretamente na estruturação de projetos imobiliários, além de ser relatora da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PR e Diretora Estadual do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM).

Linkedin: https://www.linkedin.com/in/patriciavaldiviesohessel/